Page 14 - Parecer Grande Naturalizacao PT

36. Desse modo, caso se considere que o Decreto n. 58-A e o art. 69, §4o, da Constituição de 1891 efetuaram naturalização tácita de todos os estrangeiros que residiam no Brasil em 15/11/1889, como tem argumentado a Avvocatura dello Stato, é importante avaliar se tais atos estiveram em conformidade com o Direito Internacional vigente no momento de sua adoção e, em caso negativo, quais as suas consequências para a Itália.
37. No final do século XIX, o Direito Internacional ainda não contava com normas estabelecendo direitos individuais. O indivíduo era, no entanto, visto como objeto de proteção do seu Estado de nacionalidade, de modo que atos impactando o indivíduo poderiam vir a representar interferência nos interesses e até mesmo direitos desse Estado.38
38. Naquela época, grande parte dos Estados, em especial na Europa, não admitia que um indivíduo pudesse deter mais de uma nacionalidade simultaneamente. Assim, a aquisição de nova nacionalidade, imposta ou não por um Estado terceiro, comumente acarretava a perda da nacionalidade originária.
39. Com isso, o indivíduo naturalizado era efetivamente excluído da jurisdição do Estado de origem,39 que não mais podia exigir o cumprimento de deveres de cidadão como o alistamento militar, cobrar tributos sobre herança, contar com aquele indivíduo para o exercício de determinados cargos públicos, ou exercer proteção diplomática em favor dele. Os ônus e as obrigações inerentes à nacionalidade passariam a ser devidos pelo indivíduo exclusivamente ao novo Estado de nacionalidade. A aquisição de nova nacionalidade configurava, em suma, perda de recursos humanos para o Estado de origem.
38 CORTE PERMANENTE DE JUSTIÇA INTERNACIONAL. The Mavrommatis Palestina Concessions (Greece v. United Kingdom). Série A, n. 2. Haia, 30 de agosto de 1924. p. 12.
39 WEIS, Paul. Nationality and Statelessness in International Law. 2. ed. Alphen aan den Rijn: Sijthoff & Noordhoff, 1979. p. 112.